O regime de separação de bens e os seus reflexos na Empresa Familiar
Em regra, o planejamento patrimonial familiar começa com a escolha do regime de bens do casamento. Exatamente por isso, muitas famílias empresárias encorajam os seus membros a adotar o regime de separação de bens, na expectativa que eventual divórcio ou sucessão venha a afetar minimamente o patrimônio familiar já constituído.
No entanto, os nossos tribunais superiores têm construído através de diversas decisões um entendimento jurisprudencial, que retira parte dos efeitos desejados pelo empresariado ao adotar tal regime, restringindo os efeitos dos pactos antenupciais após a morte dos seus signatários, entendendo que o instrumento apenas pode reger as relações estabelecidas pelas partes em vida.
Primeiramente, importante entender que a lei brasileira estabelece dois regimes de separação de bens distintos: a legal e a convencional, cada qual com as suas próprias regras e implicações.
A legal é imperativa e imposta por lei, independente da vontade das partes. Aplica-se esse regime de bens, por exemplo, para nubentes acima de 70 anos. Por sua vez, o regime convencional é instituído unicamente pela vontade das partes, a partir de um pacto antenupcial anterior ao casamento.
Em suma, o regime de separação de bens parte de uma lógica geral, em que cada nubente permanece com seu patrimônio particular e de forma apartada, construído tanto antes, como após o casamento. No entanto, essa lógica é mitigada pela lei e pela jurisprudência, que estabelecem algumas exceções.
-
O divórcio no regime de separação de bens
Em caso de divórcio, na separação legal de bens, a súmula 377 do STF determina que os bens adquiridos na constância do casamento e de forma onerosa (a exemplo de compra e venda) comunicam ao respectivo cônjuge, devendo ser repartido meio a meio entre eles. Segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há uma presunção do esforço comum de ambos os cônjuges na construção desse patrimônio.
Importante notar que somente o patrimônio construído de forma onerosa e na constância do casamento é alvo dessa comunicação. Por exclusão, o patrimônio anterior ao casamento ou posterior ao mesmo adquirido de forma gratuita (a exemplo de doações e heranças) não se submetem a essa lógica, permanecendo apenas com o cônjuge titular dos mesmos.
Por seu turno, quando da separação convencional de bens, não há comunicação de nenhum dos bens, seja anterior ou posterior ao casamento, na forma gratuita ou onerosa. Assim, em caso de divórcio, cada cônjuge permanece com o patrimônio que individualmente construiu.
Divórcio x Regime de Separação de Bens |
|||
Bens Anteriores ao Casamento | Bens Posteriores ao Casamento, adquiridos de forma onerosa (compra e venda) | Bens Posteriores ao Casamento, adquiridos de forma gratuita (doação e herança) | |
Separação Legal | Não comunicam | Comunicam | Não comunicam |
Separação Convencional | Não comunicam | Não comunicam | Não comunicam |
-
A sucessão por morte e o regime de separação legal
Diante da sucessão por morte, temos uma dinâmica distinta.
Em caso de separação legal de bens, a lei por exclusão expressa retirou os cônjuges do rol de herdeiros necessários, sendo assim, esses não participam da partilha de bens, mas, por força da referida súmula 377 acima citada, recebem o quinhão de 50%, correspondente ao patrimônio construído de forma onerosa ao longo do casamento.
Diante da separação convencional de bens, o legislador não excluiu expressamente os cônjuges do rol de herdeiros necessários. Assim, os Tribunais Superiores entendem que o cônjuge sobrevivente é herdeiro para todos os fins e participa da partilha de bens em concorrência com os filhos e ascendentes. Nessa hipótese, ele é herdeiro do patrimônio universal, independente da forma de aquisição, onerosa ou gratuita, anterior ou posterior ao casamento.
Sucessão por Morte x Regime de Separação de Bens |
|||
Bens Anteriores ao Casamento | Bens Posteriores ao Casamento, adquiridos de forma onerosa (compra e venda) | Bens Posteriores ao Casamento, adquiridos de forma gratuita (doação e herança) | |
Separação Legal | Não herdam | Herdam 50% | Não herdam |
Separação Convencional | Herdam em concorrência com os demais herdeiros | Herdam em concorrência com os demais herdeiros | Herdam em concorrência com os demais herdeiros |
-
Quais são os reflexos nas Empresas Familiares?
Como visto, mesmo diante da adoção do regime de separação de bens, o patrimônio familiar pode ser afetado em caso de divórcio e de sucessão por morte, sendo repartido com cônjuges, que não integram a estrutura originária da família empresária.
Contudo, para garantir que o patrimônio tenha a destinação máxima, com obediência à lei e de acordo com a vontade de seus titulares, as Famílias Empresárias podem se valer de 02 (duas) ferramentas para minimizar esses reflexos.
Primeiro, é interessante que as Famílias Empresárias busquem realizar o Planejamento Sucessório. Assim, dentro dos limites dados pela lei, é possível destinar o patrimônio disponível, correspondente a 50% (cinquenta por cento) do bolo patrimonial, de acordo com a vontade dos seus titulares. Desta forma, para esse patrimônio disponível, não é mandatório atentar para as regras de direito sucessório, que são vinculativas apenas em relação à legítima.
Em segundo plano, as Empresas Familiares, quando instituídas como sociedades limitadas, podem estabelecer em seus estatutos societários as cláusulas de bloqueio, impedindo o ingresso automático dos herdeiros na Sociedade. Dessa forma, caberá aos demais sócios aprovarem ou não o seu ingresso, sempre resguardando o direito desses à indenização pelo patrimônio, que são titulares de direito.
Em suma, as Empresas Familiares precisam compreender de que modo a propriedade de suas quotas sociais podem ser afetadas em caso de divórcio ou sucessão por morte dos seus sócios, pois o ingresso de novos membros, que não pertençam diretamente ao seio familiar, pode alterar a dinâmica da Sociedade, tornando a tomada de decisões e, consequentemente, a gestão dessas Sociedades mais complexa.