03 três passos para melhorar o relacionamento dos Sócios em Empresas Familiares.
03 três passos para melhorar o relacionamento dos Sócios em Empresas Familiares
Por Indira Domingues
Uma das grandes dificuldades das Famílias Empresárias é administrar o relacionamento entre os seus sócios. Não sem razão, afinal, nessas empresas, as pessoas desempenham duplos papéis: elas pertencem à mesma Família, ao tempo em que também são Sócias entre si.
Dessa forma, é muito difícil separar a dinâmica familiar dos assuntos da empresa. Muitas vezes as mágoas do passado e os conflitos não resolvidos contaminam o dia-a-dia da empresa e podem atrapalhar em muito a sua gestão.
Apesar das dificuldades, os sócios podem trabalhar determinados pontos, para ajudá-los a ter um relacionamento mais saudável, os quais listamos a seguir:
1 – DIVISÃO DE PAPÉIS
O primeiro deles é a divisão de papéis:
Os sócios devem delimitar entre si, de forma muito clara, quais são os seus papéis perante a Sociedade, ou seja, quais são as suas atribuições, os seus direitos e os seus deveres.
A delimitação de papéis ajuda na tomada de decisões e na cobrança de responsabilidades. É mais fácil decidir sobre algo que esteja expressamente na sua esfera de atribuições, ao mesmo tempo que é mais fácil cobrar algo de alguém, se isso lhe foi atribuído explicitamente.
A divisão de papéis é algo que pode ser construído formalmente e com implicações jurídicas através de um Acordo de Sócios.
O Acordo de Sócios é um documento não obrigatório, que pode ou não ser registrado na Junta Comercial (caso a empresa seja uma Sociedade Limitada). Ele é um documento complementar ao Contrato Social e pode trazer uma série de disposições, entre elas, listando como mais interessantes as seguintes:
(a) Mecanismo de resolução extrajudicial de conflitos entre os Sócios, evitando que as demandas sejam levadas para julgamento pelo poder judiciário (a judicialização de conflitos é um dos graves problemas enfrentados pelas Empresas Familiares);
(b) Mecanismo para que um dos Sócios possa sair harmonicamente da Sociedade, estabelecendo critérios para conferir liquidez à Sociedade no pagamento dos haveres;
(c) Critérios para evitar o ingresso de membros não familiares na empresa, tais como cônjuges e companheiros;
(d) Procedimento para avaliação da empresa por critérios justos (de mercado), caso algum dos Sócios (ou herdeiros) precise ser indenizado;
(e) Critérios objetivos para distribuição dos lucros da empresa entre os Sócios;
(f) Limites de endividamento da Empresa por seus administradores;
(g) Definição da Política Salarial da Sociedade aplicada aos membros da Família que trabalhem na empresa;
(h) Critérios para contratação de negócios vinculados aos membros da Família;
Tratando-se de Empresas Familiares, é interessante que as empresas tragam um Contrato Social mais conciso e enxuto, apenas com as disposições obrigatórias por lei, pois esse é um documento que atinge maior publicidade, deixando para o Acordo de Sócios as cláusulas mais sensíveis e particulares à dinâmica familiar, preservando, assim, a privacidade e os interesses da família.
2 – COMUNICAÇÃO
As Empresas Familiares tendem a ter uma comunicação frágil em função da forte influência dos aspectos emocionais na condução dos negócios.
Do ponto de vista pessoal, os Sócios devem se esforçar para manter uma comunicação assertiva, minimizando os aspectos emocionais do relacionamento familiar.
Para além desse compromisso pessoal, as Empresas Familiares podem trabalhar melhor a comunicação a partir da sua institucionalização, ou seja, a partir do desenvolvimento dos seus órgãos internos.
Em geral, a Empresa Familiar precisa desenvolver a sua comunicação em 04 (quatro) diferentes esferas:
1º – A comunicação entre a Família, incluindo os familiares não sócios;
2º – A comunicação entre os Sócios, que pode abranger apenas parte da família e até mesmo membros não familiares, caso a Empresa Familiar conte com outros sócios;
3º – A comunicação da estratégia da empresa para seus sócios e colaboradores;
4º – A comunicação das decisões da gestão para seus sócios e colaboradores;
A seguir, falaremos um pouco dos órgãos que podem melhor desenvolver a comunicação nessas quatro diferentes esferas:
2.1 – CONSELHO DE FAMÍLIA
A comunicação entre a Família é cuidada no Conselho de Família, órgão que vai congregar todos os seus membros, inclusive aqueles que não sejam sócios. O Conselho de Família é o foro que vai discutir todos os assuntos da Família, que possam ter impacto sobre a Empresa Familiar.
Na Empresa Familiar, é saudável admitir que todos os membros da Família influenciam o seu rumo, ainda que não ocupem formalmente o lugar de sócio. Conferir um espaço para que todos se manifestem contribui para a comunicação e a manutenção da harmonia familiar.
2.2 – ASSEMBLEIA DE SÓCIOS
A comunicação entre os Sócios é cuidada pela Assembleia de Sócios (ou Reuniões de Sócios).
No tocante às Assembleias de Sócios, temos dois importantes aspectos que devem ser observados pelos Sócios: (a) o procedimento de convocação e (b) os quóruns de deliberação.
Caso a Sociedade Limitada tenha menos de 10 (dez) sócios, ela pode estabelecer o procedimento de Reuniões de Sócios em seu Contrato Social, isso significa dizer que o instrumento tem a liberdade de desenhar o procedimento para sua convocação, podendo trazer como oficiais (e com implicações jurídicas) canais de comunicação como e-mail e Whats App, que facilitam bastante a comunicação entre os Sócios. Caso a Sociedade Limitada tenha mais de 10 (dez) Sócios, ela é obrigada a observar o procedimento de convocação de Assembleias estabelecido no Código Civil, que obriga publicações em jornal, o que dificuldade bastante a dinâmica entre eles.
Lembrando que, nas Sociedades Limitadas, caso todos os Sócios se decidam sobre uma matéria por escrito, fica dispensada a convocação de Assembleia ou Reunião.
No tocante aos quóruns de deliberação, é importante que os Sócios tenham em mente qual é o quórum exigido para cada tipo de decisão. Isso contribui bastante no relacionamento entre os Sócios, pois torna clara a necessidade de construção do consenso, através do diálogo entre eles, na tomada de decisões.
O Código Civil traz 07 (sete) diferentes quóruns, os quais listamos a seguir:
Unanimidade (100% do capital social) | Eleição de administrador não sócio, caso o capital social não esteja totalmente integralizado |
3/4 (75%) do Capital Social | Alteração do Contrato Social
Instalação de Assembleia de Sócios em 1a Convocação Aprovação de operações societárias tais como incorporações, fusões, dissoluções da Sociedade e cessação do estado de liquidação; |
2/3 (66%) do Capital Social | Eleição de administrador não sócio
Destituição de administrador sócio |
51% do capital social (Maioria Absoluta) | Eleição de administrador via Assembleia ou Reunião de Sócios
Destituição de administrador não sócio Definição da remuneração do administrador Exclusão de sócio por justa causa |
Maioria dos Presentes (Maioria Simples) | Instalação de Assembleia ou Reunião de Sócios em 2a Convocação
Quaisquer assuntos se a Lei ou o Contrato Social não exigir outro quórum |
1/4 (25%) do capital social | Oposição ao ingresso de novo sócio (no silêncio do Contrato Social) |
1/5 (20%) do capital social | Eleição de Conselheiros Fiscais pelos minoritários
Convocação de Assembleias/Reuniões de Sócios na omissão dos administradores |
2.3 – CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
A comunicação da estratégia é cuidada pelo Conselho de Administração (ou Consultivo), órgão que vai pensar e desenhar a estratégia da empresa.
O Conselho de Administração é o principal órgão responsável pela profissionalização da Empresa Familiar. Normalmente, ele nasce de forma embrionária como um Conselho de Sócios, em seguida, evolui para um Conselho Consultivo, onde trará, para opinar, integrantes não sócios da alta direção da Sociedade, por fim, ele se estabelece formalmente como Conselho de Administração, agregando membros internos (sócios e não sócios) e membros externos (trazidos do mercado de acordo com as habilidades que a Empresa Familiar precisa desenvolver).
O Conselho de Administração possui 05 (cinco) principais funções:
(a) Dar suporte à administração na tomada de decisões, principalmente em aspectos como (i) definição da estratégia da empresa; (ii) desenvolvimento da alta administração; (iii) avaliação dos projetos e controle dos riscos assumidos pela Empresa Familiar;
(b) Monitorar a administração: fiscalizar a atuação dos administradores;
(c) Desenvolvimento dos recursos a das capacidades da Empresa Familiar: o Conselho de Administração vela para que a Empresa desenvolva seus recursos e capacidades e para que esses sejam sustentáveis no tempo. Isso implica necessariamente diminuir a influência do(a) Sócio(a) Fundador(a), levando a uma gestão mais impessoal, na qual as decisões serão tomadas com base em critérios mais profissionais.
(d) Sucessão da gestão: ao Conselho de Administração compete a sucessão da gestão. O Conselho de Administração deve zelar pela continuidade da gestão ou por sua mudança em função do que seja necessário.
(e) Impor limites à Família: um Conselho de Administração com alta funcionalidade ajuda a estabelecer limites para a ingerência da Família na Sociedade.
2.4 – DIRETORIA EXECUTIVA (OU ADMINISTRAÇÃO)
A comunicação da gestão é cuidada pela Diretoria Executiva, órgão que vai administrar a empresa.
A administração da empresa pode ser executada através de uma Diretoria Executiva com diferentes atribuições ou pode ser executada por administradores singulares, atuando de forma isolada ou em conjunto.
A institucionalização da Empresa Familiar deve ser ajustada à complexidade da família e do negócio, compatibilizando os órgãos à necessidade da empresa. Não é preciso constituir todos os órgãos, se a complexidade da empresa e da família, assim não o demande.
3 – PRESTAÇÃO DE CONTAS
Por fim, para melhorar o relacionamento entre os sócios, é preciso lançar o olhar sobre a transparência das informações e a prestação de contas. É muito importante criar um sistema de informações para os sócios, principalmente para aqueles que não trabalham na gestão da empresa, onde possam ter acesso a todos os dados e números da Empresa Familiar.
Prestar contas aos seus pares não deve ser visto como um ato de desconfiança, mas sim como um ato de respeito aos demais.
Neste contexto, é aconselhável que a sociedade viabilize aos seus sócios os seguintes aspectos:
(a) Relatórios Gerenciais com os assuntos mais relevantes da gestão;
(b) Relatórios Contábeis e Financeiros com os números da empresa;
(c) Livre acesso aos extratos bancários e livros contábeis/fiscais da Sociedade;
(d) Reuniões Periódicas de Avaliação dos Resultados.
Ter acesso a todas essas informações é um direito inerente ao Sócio e deve ser respeitado por todos e pela Sociedade.
Muitas Empresas Familiares negligenciam a aprovação anual das contas da administração. Por lei, os Sócios devem se reunir anualmente para deliberar sobre as contas e os atos de administração da Sociedade. A aprovação anual das contas é um marco jurídico para responsabilização do administrador pelos seus atos. Ao aprovar as contas da Sociedade, os Sócios ratificam os atos dos administradores, convalidando-os.
Esses três pilares (divisão de papéis, comunicação e prestação de contas) contribuem para a manutenção de um relacionamento saudável entre os sócios e integram a estruturação da Governança Familiar adequada a cada Empresa Familiar.
A Governança Familiar é a estruturação dos órgãos e dos instrumentos adequados para melhor administrar o relacionamento entre a Família e o Negócio na Empresa Familiar. Ela tem sempre três objetivos:
- Proteção da família;
- Preservação da propriedade; e,
- Perpetuidade da Empresa Familiar.
A Governança Familiar é a solução adequada para inúmeros negócios e pode ser implementada independentemente do tamanho da empresa (também se aplica em pequenos e médios negócios) e pode fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso da Empresa Familiar.